Histórias de Moradores de Poços de Caldas

Esta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar histórias e depoimentos dos Moradores da cidade.


História da Moradora: Dóris Ramos Neves
Local:
Minas Gerais
Data da Publicação: 17/05/2004


 



História de Vida

História:

Identificação

Museu da Pessoa - Dóris, para a gente começar eu queria que você falasse o seu nome completo, local e data de nascimento. Dóris - Meu nome é Dóris Ramos Neves. Eu nasci em Poços de Caldas, Minas Gerais, em 3 de Janeiro de 1953.

Pais e Avós

P - Sua família é de Poços de Caldas também? Dóris - Minha família, meus pais, meus irmãos, somos todos de Minas. Só que os meus irmãos e meus pais nasceram em Machado - uma cidade pequenininha, perto de Poços. M

P - Qual é o nome dos seus pais? Dóris - O meu pai é falecido. O nome dele é Izaltino, e da minha mãe, Íris. M

P - Você conheceu os seus avós? Dóris - Eu conheci só os meus avós paternos, meu avô Joaquim e minha avó Antonieta, também falecidos. Da parte de minha mãe, eu conheci só minha avó, mas como vim muito pequena do interior, de Minas, convivi muito pouco com ela. M

P - E você sabe um pouquinho sobre a origem da sua família materna e paterna? Dóris - A minha avó e o meu avô por parte da minha mãe são todos mineiros. São todos nascidos nas redondezas de Machado, Poços... aquelas cidadezinhas próximas. E por parte do meu pai dizem que somos - não sei quantas gerações atrás - descendentes de índios. Não sei precisar qual geração, se foi tataravô, mas tivemos índios na família. Por isso, meu cabelo é preto assim, não é tingido. (risos) M

P - Foi com esses avós que você teve uma convivência maior? Dóris - Foi, por parte do meu pai. M

P - Que lembranças você tem deles? Dóris - O interessante dos pais do meu pai é que eles só tiveram dois filhos: meu pai, Izaltino, e um tio, também já falecido. O nome dele era Ivo. E o interessante é que o meu avô fazia questão de escolher os nomes dos filhos, tanto do meu pai como do meu tio. Por parte do meu tio, os nomes de todos os filhos - são cinco ou seis -, começam com "E". E por parte do meu pai é tudo com "D". Eles tinham esse tipo de tradição, de colocar o nome dos irmãos iniciando tudo com a mesma letra. Então, na minha casa é o seguinte: Dulcinéia, Dinéia, Décio, Denil, Dirceonéia, falecida, e Dóris, que sou eu, a caçula. E da parte do meu tio ele também arrumou um monte de nome que eu nunca nem vi, mas tudo com "E". Era Edir, Edna, Edair, Eclair e Evornei. (risos) É muito interessante. Eu acho engraçado, mas eu fiz a mesma coisa, porque as minhas filhas, os nomes das duas começam com "K": Kátia, a mais velha, e Karina, a mais nova. M

P - Herdou esse sistema? Dóris - Herdei. A gente brincava, dava risada da maneira deles trabalharem os nomes, mas no fim a gente fez a mesma coisa.

Pai alfaiate

P - Eles moravam na mesma casa que vocês? Dóris - Sim, porque meu pai era alfaiate. Ele tinha uma alfaiataria no interior, lá em Poços. Era daquelas casas antigas. E numa parte da casa moravam meus avós, na outra era meu pai, na outra eu e meus irmãos e noutra era a alfaiataria, na época. M

P - O seu pai que fazia os modelos? Dóris - É, ele que fazia. Fazia os modelos de terno, que ele costurava para homem. Então fazia aqueles ternos, fraque, colete, que se usava muito. Eu tenho uma vaga lembrança dele costurando esse tipo de roupa. M

P - Sua mãe ajudava? Dóris - Ajudava. Ela ajudava na alfaiataria. Uma parte do dia ela cuidava da gente, da casa, da nossa alimentação, e na outra parte do tempo ela dava uma mão para o meu pai na alfaiataria. M

P - E as roupas de vocês, quem costurava? Dóris - A minha mãe. Naquela época se comprava tecido e mandava para a costureira, mas como ela tinha habilidade na costura, por trabalhar com meu pai, ela que fazia as nossas roupas. Ela comprava o tecido, cortava e montava as roupas para mim e para os meus irmãos. M

P - Vocês circulavam pela alfaiataria? Dóris - Eu era muito pequena, mas como era um lugar muito grande e os fregueses chegavam, tinham que estar experimentando o paletó, a calça, e meu pai tinha que fazer o trabalho dele, então eles eram um pouco enérgicos, eles não deixavam a gente circular muito para não atrapalhar os clientes. Eu me lembro que a gente ficava mesmo era no quintal, porque eram casas de quintais grandes. Ali a gente ficava brincando.

Travessuras da infância

P - Do que vocês brincavam? Dóris - Ah, falam que caçula é privilegiado, mas não era não. Eu era saco de pancadas. (risos) Tudo que os maiores faziam, no fim, como eu era menor, era eu que fazia. Só que eles pensavam que botando a culpa em mim a minha mãe não ia bater, mas batia do mesmo jeito. (risos) M

P - Seus pais eram enérgicos? Dóris - Enérgicos Minha mãe era muito enérgica. Meu pai já era mais tranqüilo. M

P - Teve alguma traquinagem de criança que você acabou ganhando uma bronca mais forte? Dóris - Ah, eu era bem levada, era muito brigona. Ainda sou, mas tudo bem. (risos) Na escola, por exemplo, às vezes tinha algum desentendimento com as amiguinhas, e por um outro lado, também, às vezes eu ficava na rua e não fazia a lição. Aí minha mãe, lógico, pegava no pé feio. Eu tinha facilidade na classe em prestar atenção para gravar, e às vezes até adiantava a lição na classe. Por isso, quando chegava em casa, na realidade não precisava ficar ali em cima dos livros. Então, mesmo indo brincar, não ficando ali na hora que minha mãe mandava, mesmo fazendo a lição correndo, eu conseguia me sair bem, sempre tirei boas notas. E às vezes a mãe de alguma amiguinha ficava querendo tirar satisfação, porque além de eu brigar com as meninas, ainda tirava as boas notas e elas não tiravam. (risos) Então isso era interessante na época de escola. Eu era bem danadinha.

Mudança para São Paulo

P - Pelo que você falou eram vários irmãos. Dóris - Éramos... M

P - Quantos ao todo? Dóris - Seis. São quatro mulheres e dois homens. M

P - Como era a convivência em casa com os irmãos? Dóris - Quando nós viemos para São Paulo, eu tinha mais ou menos cinco para seis anos, que eu me lembro, e os três irmãos mais velhos começaram a trabalhar, porque na realidade nós saímos do interior para tentar a vida aqui em São Paulo. Meu pai já providenciou logo trabalho para eles. Então os três mais velhos, que são duas irmãs e um irmão, trabalhavam. Então, na realidade, só ficavam três com a minha mãe, que estavam ainda na idade de escola. Como a gente era pequeno, ainda não podia trabalhar, na época. O meu pai trabalhava em uma oficina aqui em São Paulo, ele trabalhou de empregado. Era uma alfaiataria que ficava na Praça do Correio, subindo o Anhangabaú. Na época eles costuravam para os Matarazzo, para aquelas famílias poderosas de antigamente, que a família Matarazzo era bem grande. M

P - Você tinha cinco anos na época da mudança? Dóris - É, eu tinha de cinco para seis anos quando nós viemos do interior para São Paulo. M

P - Você se lembra da mudança? Dóris - Muito pouco. Eu me lembro que veio o meu pai com o caminhão, com a mudança, e a minha mãe, eu e os meus irmãos viemos de ônibus para cá. Aí a minha mãe teve que trabalhar fora também, e a minha irmã, que dos três que não trabalhavam era a mais velha, ajudava a arrumar a casa. A minha mãe foi trabalhar como o que hoje a gente chama de diarista, para ajudar no orçamento, até a coisa engrenar.

Primeira escola

P - Vocês foram morar em que bairro? Dóris - Chora Menino, onde era o Aché. M

P - Em que ano foi isso? Dóris - Em 1958, 1959, mais ou menos isso. M

P - Você entrou na escola na seqüência? Dóris - Isso. Eu me lembro que eu entrei na escola acho que com oito anos, quando eu fui para o primeiro ano. MP -Em que escola você foi estudar? Dóris - Na Escola Estadual Professor Joaquim Leme do Prado. Ela existe até hoje. Mudou um pouco de lugar, porque passou uma avenida no terreno, aquelas coisas de pegar uma parte da escola para passar uma avenida nova. Acho que isso faz uns 20 anos, mas a escola ainda continua lá. M

P - Você se lembra do seu primeiro dia de aula? Dóris - Ah, lembro. Chorei muito, não queria. Nada diferente de toda criança. (risos) Realmente assusta. Fiquei com medo, mas não tinha jeito, porque minha mãe era muito severa. Engolia o choro porque tinha que ficar. E fiquei. Aí foi o primeiro dia, segundo dia... Não tinha essa da gente ser um pouquinho mais maleável com os filhos, como é hoje. Hoje a gente tenta conversar, mas naquela época não tinha muito que conversar, não: "Fica, engole o choro, tem que ser assim mesmo". (risos) Tinha que ficar, não tinha jeito, não. M

P - E essa escola era perto da sua casa? Dóris - Era perto, era bem próximo. Acho que não dava dez minutos a pé. M

P - Você ia sozinha? Dóris - Durante um período minha mãe levou, até ela ver que eu havia me habituado com o caminho. Aí, depois ia a pé, sozinha, e voltava com as amiguinhas. E apanhava, porque ficava no meio do caminho, depois demorava para chegar em casa. (risos) Como todo mundo, não tem jeito. M

P - O ensino era muito rígido? Dóris - Olha, era. Por exemplo, hoje não tem esse negócio de uniforme, mas na época, apesar de ser um grupo escolar, você tinha que usar um sapatinho preto, a meinha branca, aquela sainha plissada azul-marinho e a camisinha branca com gravatinha. Eu acho que naquela época eles davam uma orientação ajudando na educação e na disciplina, inclusive. Não tinha muita moleza. Hoje não. Não digo que hoje não tenha disciplina, mas era mais rígido. Era uma outra época, uma outra cabeça. M

P - Existe alguma professora ou professor que tenha te marcado? Dóris - A última professora, na época que eu encerrei o primeiro grau. Ela morava na Avenida Imirim, não sei se ainda mora, próximo de casa. Ela tocava piano. Aquilo era um encanto para a gente. Então tinha sempre as queridinhas da professora que, na realidade, eram aquelas que ajudavam a apagar a lousa. E eu era uma dessas. Então, depois da aula, ela pedia para avisar os pais, e ela levava na casa dela e colocava a gente sentadinho lá para vê-la tocar piano. Era muito bonito. Foi a professora que mais me marcou. M

P - Qual é o nome dela? Dóris - Era Maria Aparecida, o nome dela. M

P - Ela ensinou alguma coisa, umas notinhas para vocês? Dóris - Olha, não. Nós éramos acho que em seis, então ela tinha receio de a gente estragar, desafinar o piano, ficar mexendo. Na realidade ela levava a gente mais para ouvir mesmo, para ficar ali. Ela sabia que a gente não tinha esse tipo de coisa em casa e que a gente achava bonito. Ela mostrava até mesmo com orgulho aquilo que ela sabia fazer.

Missa aos domingos

P - E na sua casa, tinha algum tipo de formação religiosa? Dóris - Católica. M

P - Vocês iam à missa? Dóris - Íamos à missa, fiz primeira comunhão, crisma... Na missa, todo domingo, às nove da manhã, tinha que confessar, comungar.... Até que a gente era bem assíduo, na época. A minha mãe fazia a gente ir. M

P - E no dia da missa, tinha uma roupinha especial? Dóris - Ah, tinha roupa de missa. A roupa de missa era sapatinho branco, meinha branca, aquele vestidinho mais rodadinho, com lacinho atrás. E não podia fazer nada na rua que era para não sujar.

Entrada no Aché

P - Dóris, você estudou até que série? Dóris - Na realidade, a gente teve que começar a trabalhar muito cedo. Eu comecei com meus 15 anos. Então, naquela época eu cheguei a fazer até o equivalente à sétima série, mais ou menos isso. Não concluí. Hoje seria o primeiro grau completo, na realidade. Aí tive que ir trabalhar. M

P - Como foi isso? Foi no Aché, a primeira vez? Dóris - Foi. Como a situação estava difícil, eu precisava trabalhar, mas naquele momento eu não estava procurando emprego. A minha mãe tinha me colocado na escola de datilografia, e tinha uma prima que veio do interior para ficar em casa para tentar trabalhar, para poder ajudar também a minha tia e o meu tio, mandar algum dinheiro. Ela era maior de idade. Então, a tia do Celso de Abreu, a Dona Júlia, que é sogra da minha irmã, falou para a minha mãe: "Olha, leva a Edir - que era a minha prima -, que tem um laboratório lá na esquina do Chora Menino e ele está pegando funcionário, está admitindo". E nós fomos. Eu fui junto, porque estava sem fazer nada em casa. Eu falei: "Ah, eu vou junto". Fomos a minha mãe, a minha prima e eu para procurarmos serviço, na realidade, para a minha prima. Chegando no Aché, eles não estavam admitindo maiores de idade. Naquela época eles estavam admitindo auxiliar de Embalagem, meninas menores de idade. Tinha uma pessoa que ocupava como se fosse um cargo de gerência hoje, ele era o encarregado da parte industrial. Era o Antenor Jordão. Ele perguntou: "Não, não tem para ela que é maior de idade. Agora, você é menor de idade?". Eu falei: "Sou. Tenho 15 anos". Eu não tinha documento. Ele falou: "Olha, se você quiser tirar o documento e começar a trabalhar, ainda tem vaga". Como realmente a gente precisava trabalhar, minha mãe e meu pai precisavam que a gente trabalhasse para ajudar, aí eu comecei. Eu tirei toda a documentação e comecei. Isso foi em 12 de junho de 1968. M

P - Aí você entrou no Aché, então? Dóris - Entrei no Aché.

Primeiro dia de trabalho

P - Você se lembra do seu primeiro dia de trabalho no Aché? Dóris - Lembro. Aquilo foi assim... Como eu posso dizer? Até meio emocionante, não é? Eu era uma criança, na época. Eu tinha o quê? 15 anos? (choro) Você saber que precisava ajudar em casa e, de repente, sem querer apareceu... Então eu falei: "Ah, que bom." Então o primeiro dia, na realidade, para mim foi assustador. Fiquei emocionada. Eu lembro que eu fui para o banheiro e chorei. Eu falei: "Puxa, a primeira vez, não é?" Era criança, não tinha muita experiência, porque não tinha muito diálogo dos pais, de explicar o que seria. Eu não sabia o que vinha a ser trabalhar. Aí, no primeiro dia fui muito bem recebida, porque o pessoal era muito bacana. Tinha a supervisora, Cidinha, uma pessoa super bacana, muito legal. Ela só lidava com criança, pois era na faixa de 14, 15 anos. Era tudo garotada. Era muito bacana. Depois, no segundo dia praticamente acabou o meu medo. Aquele susto, aquela coisa que me assustou, na realidade passou a ser um divertimento. Eu comecei a encarar aquilo como um divertimento. Depois disso não me lembro de mais nada que tenha me preocupado. Pelo contrário, comecei até a ver que dentro de mim tinha uma coisa que até hoje eu tenho. Eu sou assim, o meu dia de hoje não pode ser igual ao de amanhã. E ali era assim, sempre um desafio, sempre buscar fazer a coisa da melhor forma. Eu sou meio sistemática, sempre fui. Eu percebia que estava ali, incorporada em um grupo de pessoas que, apesar de ser tudo garotada, criança, estava vendo aquilo produzindo, produzindo medicamentos. O Aché sempre foi uma empresa muito dinâmica. A característica até dos próprios donos era assim. Eles sempre foram muito dinâmicos, muito agitados. Aquilo era uma engrenagem que a gente sempre imaginava: "Não pode parar, a gente tem que trabalhar". Então não tinha hora, não tinha problema, porque ele aparecia e era resolvido. E assim a gente foi.

Namoro e casamento

P - Você foi ser auxiliar de Embalagem? Dóris - Isso, eu fui auxiliar de Embalagem. Depois eu conheci o meu marido no Aché. Na realidade, logo que eu entrei, depois de duas semanas eu o conheci. Ele era office-boy. M

P - O Wilson? Dóris - O Wilson. Ele está até hoje também no Aché e é gerente de Expedição. M

P - Como vocês se conheceram? Dóris - Na realidade, eu conheci a namoradinha dele. Ela morava perto da minha casa e mandava eu levar recado para ele. No fim, eu acabei me apaixonando por ele. (risos) Eu levava o recado, mas não podia dizer para ela o que estava acontecendo. Nós namoramos acho que dois anos e meio, mais ou menos. Quando eu estava completando 18 anos nós nos casamos. Naquela época se casava muito cedo.

Embalagem manual

P - Depois a gente volta para o casamento. Eu queria saber agora como era o trabalho de auxiliar de Embalagem. Dóris - A maioria das tarefas era tudo manual, não tinha os equipamentos que tem hoje. Tinha uma parte onde se envasava os frascos e se rotulava à mão. Era uma esteira, que tem até hoje, porque tem produtos que não dá para automatizar. Ficava uma equipe de um lado, uma de outro, então a gente montava caixinha, dobrava bula, passava o rótulo numa tábua com cola para colocar nos vidrinhos. Esse era o trabalho da parte de Embalagem. M

P - E era rápido? Dóris - Ah, era. A gente apostava corrida. Tinha aquela seqüência, então uma montava o cartucho, a outra colocava o rótulo, a outra já tinha que pegar e pôr dentro da caixinha com a bula, a outra tinha que fechar, a outra pôr na caixa de papelão. Era uma seqüência (risos) M

P - Quantas pessoas ficavam na esteira? Dóris - Eram mais ou menos seis de um lado e seis de outro. MP -Só mulher? Dóris - Só mulher. M

P - E tinham umas fofocas, conversinhas ou não podia distrair a atenção? Dóris - Ah, não podia conversar. Não podia. Vamos dizer, aquele mesmo rigor que os nossos pais trabalhavam e se posicionavam com a gente dentro de casa, aquilo também era no trabalho. Então, antigamente, não se tinha muita liberdade. Você entrava para trabalhar mesmo. Ali você tinha que trabalhar. Tinha que ter toda a atenção possível, porque nada era automatizado, tudo dependia da nossa total atenção. Imagina colocar uma caixinha em um produto errado? Então, realmente, a supervisora na época, a Cidinha, fazia com que a gente ficasse ali quietinha, não desviasse a atenção do trabalho. Depois nós tínhamos o lazer, que era o horário de almoço, aí a gente brincava, ela deixava a gente à vontade. Mas na hora do trabalho ela era enérgica. Não chegava a ser uma pessoa enérgica a ponto daquilo ser errado, não. Era certo mesmo, tinha que ter atenção mesmo.

Hora do almoço

P - E a hora da descontração, acontecia quando? Dóris - Ah, acontecia na hora do almoço. Não tinha refeitório, então tinha uma pessoa que era muito bacana, que a gente chamava de Chiquinha. Ela esquentava as nossas marmitas. Ali era muito engraçado, porque era aquele bate-boca na hora do almoço, e às vezes a marmita abria e a água entrava dentro da comida. (risos) Mas era muito engraçado, todo mundo dava risada. Um dava a mistura para o outro, trocava a mistura... "Ih, a minha mãe pôs uma coisa que eu não gosto" "Ah, então troca." Era divertido, muito divertido. Era uma descontração total. M

P - E ficava todo mundo sentado em volta da mesa? Dóris - De uma mesa, isso. O refeitório era pequenininho, era mais ou menos do tamanho dessa sala. E a gente ficava tudo ali, comendo. Eles davam sobremesa, e às vezes, para o café da tarde, a Chiquinha fazia pipoca. (risos) A gente ia até o refeitório para comer pipoca. Era muito bom, muito gostoso. Era descontraído mesmo. M

P - A Chiquinha fazia a sobremesa? Dóris - Às vezes ela fazia, ou comprava uma fruta. A gente dava dinheiro, ela comprava uma fruta, colocava lá para a gente. A gente pedia para ela fazer alguma coisa, então ela fazia um doce.

O Aché da Nova dos Portugueses

P - Como era o prédio? Dóris - O prédio? Tinha a parte da frente, que ficava no nível da rua, que era uma área logo na entrada. Tinha uma recepcionista que ficava lá para atender as pessoas e o telefone. Tinha um andar em cima, onde era o escritório. Tinha uma parte de escritório e não me lembro bem se era o Departamento Pessoal ali naquele lugar. Naquele mesmo nível, atrás de onde ficava a recepcionista, era a área onde se produzia injetável. Na época dava-se o nome de setor de Hipodermia. Tinha uma outra sala onde o pessoal fabricava os produtos em líquidos, que eram uns tachos bem grandes, que depois descia por gravidade no andar de baixo, abaixo do nível da rua, que era umas escadas, aonde a gente tinha a parte de Embalagem, aonde eu trabalhava. Ali também tinha a área aonde se manipulava os comprimidos. Então os setores eram Hipodermia, Líquidos, Sólidos, onde fazia os comprimidos, e a parte de Embalagem. O prédio lá - eu estou me lembrando agora também - era interessante. A frente dele dava para a Rua Nova dos Portugueses e a parte de trás, a saída do prédio, era para a Rua Dona Eufrida, aonde tinha a parte de Expedição e Almoxarifado. Inclusive era aonde os caminhões faziam as entregas de material que nós comprávamos, como matéria-prima, material de embalagem... Era também aonde os caminhões encostavam para levar as mercadorias na parte de Expedição do produto acabado. M

P - E a entrada dos funcionários era por onde? Dóris - Pela parte da frente, na Rua Nova dos Portugueses. M

P - Entrada e saída?

R - Entrada e saída dos funcionários. E a parte de trás era só mesmo para o acesso de carga e descarga da parte de Almoxarifado e Expedição. M

P - Você já usava uniforme lá na Nova dos Portugueses? Dóris - O uniforme lá era avental. Na realidade, não tinha essa condição que tem hoje. Nós colocávamos um avental por cima da roupa e púnhamos um gorrinho, na época bem parecido com gorro de enfermeira. Até o pessoal passava em frente e achava que era hospital, porque com aquele gorrinho a gente parecia enfermeira. M

P - Você disse que tinha várias mulheres trabalhando nessa parte de Embalagem. E nas outras áreas? Dóris - Na parte de produção, eram só mulheres. Na parte de Sólidos, eram homens, rapazes. Na parte de Expedição e Almoxarifado também eram rapazes. No escritório tinham rapazes e moças, era misturado.

Namoro e casamento

P - E um desses rapazes era o seu Wilson? Dóris - Era, que na época era office-boy. Depois ele passou a trabalhar na área de Expedição. M

P - E você se casou três anos depois? Dóris - Isso. M

P - Como foi esse casamento, Dóris? Dóris - Como eu disse, a minha mãe era muito enérgica. Então, por isso, tanto o Wilson como eu combinamos: "Vamos nos casar". Como ela era muito enérgica, ele achava que eu sofria muito por causa dela ser da forma que era, então ele propôs: "Vamos nos casar". E eu falei: "Ah, vamos nos casar, mas ela não vai deixar casar". Aí ele falou: "É, não vai deixar casar". Eu falei para ele: "E se eu inventar que eu estou grávida?". Veja se tem cabimento (risos) 18 anos Eu falei: "Ah, se eu falar que estou grávida, ela vai ter que deixar casar, não vai ter jeito". Aí nós mentimos. Um dia, entramos em casa e ele disse: "Olha, ela está grávida". Foi aquele pânico. Imagina a cara dos dois 18 anos, duas crianças. Dissemos: "Vamos nos casar". Até me meu dó do meu pai, porque ele era mais sensível, ele não chegava a ser tão enérgico. Meu pai falou: "Não, mas meus filhos, vejam o que vocês fizeram. Está grávida mesmo?" Aí a minha mãe: "Não, já falou que está grávida, então tem que casar". E era isso que a gente queria ouvir. Da parte dos meus pais, foi um rebuliço. Foi aquele corre-corre. Na parte da família do Wilson, o pai dele ficou muito bravo, queria pegá-lo para bater, porque o pai dele também era enérgico. Mas aí uma irmã dele, uma irmã mais velha, que gostava muito de mim, disse: "Se ela está grávida, então tem que se fazer alguma coisa. Vai fazer o quê?". Era tudo o que a gente queria, que eles dessem o apoio necessário para a gente poder se casar. Ela fez a cabeça dos pais dele. Do meu lado não tinha jeito, porque a minha mãe realmente achava que tinha que casar, que não era mesmo para ficar... Ia ficar como, grávida? Aí um ajudou daqui, outro de lá e nós nos casamos. M

P - Vocês se casaram na igreja? Dóris - Na época não, só no civil. E foi muito interessante porque a minha cunhada, não essa que nos defendeu, mas outra, que já era casada, era costureira. Ela se prontificou em ajudar me dando um vestido. Ela achava muito estranho, porque como eu estaria grávida e magrinha daquele jeito? Não tinha barriga nenhuma (risos) M

P - E ia casar de vestido? Dóris - Ia casar Aí ela falou: "Bom, mas tudo bem, eu não vou falar nada". Fez o vestido e eu me casei. Aí contaram nos dedos, minha filha nasceu 10 meses, quase 11 meses depois. (risos) É muito engraçado Hoje a gente lembra em família isso... Não tinha gravidez nenhuma, porque a gente não tinha a oportunidade que tem hoje. Minha mãe era severa e tinha que namorar ali debaixo da barba dela, dentro de casa, no sofá. Você ia fazer o quê? M

P - Filha caçula? Dóris - Caçula Como ia fazer alguma coisa? Não tinha como. Aí o negócio foi mentir. E colou, não é? Depois deu tudo certo. M

P - Como era o vestido que você ganhou? Dóris - Ela fez um vestido que na época era até interessante. Ela fez vestido curto, na realidade, porque foi uma cerimônia simples, só no civil, e eles usavam fazer aquela cintura baixa. Ela fez, a cor ela escolheu, ela deu tecido, confeccionou o vestido para mim. Mas sempre indignada, porque ela achava que não tinha nada. Mas ela também não quis melar a nossa intenção. (risos) E foi interessante por isso, porque essa cunhada mais velha se prontificou até a arrumar a casa, a arrumar as coisas. Nós ficamos na casa dela um mês. Depois que eles tinham arrumado a casinha para a gente, uma casa simples, de dois cômodos, aí nós fomos morar na nossa casinha. M

P - Quando você se casou teve uma festinha em casa? Dóris - Minha cunhada fez uma almoço. Ela e o meu cunhado, como padrinhos de casamento, fizeram um almoço e ofereceram para a família. Lógico que a minha mãe não foi, porque ela estava bronqueada, ela queria era me dar uns tapas. (risos) Ela não foi, mas tudo bem. A idéia, o objetivo foi atingido, nós conseguimos. E de todo o jeito eu encarei legal. O importante é que a gente tinha dado um passo.

Nascimento da primeira filha

P - Depois, mais tarde, quando a sua filha nasceu, como foi no Aché? Como foi trabalhar, amamentar... Dóris - Naquela época, inclusive, não tínhamos esses quatro meses que tem hoje. Na época não chegava a três meses. Eu trabalhei até o último momento, porque graças a Deus eu tinha uma saúde boa. Morava próximo, então eu ia almoçar em casa todo dia, ia e voltava. Eu também ia trabalhar a pé. Então trabalhei. Só uma semana antes de ganhar nenê que eu comecei a ficar um pouco mais inchada, mais pesadona e parei para ganhar a minha filha. Logo em seguida, eu fiquei com ela até o período necessário estabelecido por lei, e a minha sogra se prontificou a ficar com a minha filha. Eu e meu marido ajudávamos a pagar uma pessoa para ajudá-la nas tarefas da casa, para ela poder cuidar da minha filha. E ela cuidou da minha filha até uns sete anos, mais ou menos. Foi bom. Eles deram um apoio legal. A família do meu marido é muito bacana, deram todo o apoio. Eles eram evangélicos. Tirando o pai dele, que foi enérgico. Mas tinha que ser mesmo. (risos) Ele deu a opinião dele, na época, mas graças a Deus ele viu que valeu a pena, porque na realidade nós não fizemos nenhuma molecagem e realmente levamos o casamento a sério. Construímos a família e tivemos a nossa filha.

De auxiliar à supervisão de embalagem

P - Depois de ganhar a sua filha, você ainda estava como auxiliar de Embalagem? Dóris - Antes de eu saber que estava grávida, a supervisora da Embalagem na época, a Cidinha, saiu da empresa. Logo que eu entrei ela ficou grávida, saiu para ganhar a criança e não retornou. Então, na época, eles me colocaram. Quer dizer, eu tinha meus 18, 19 anos e eles me colocaram de supervisora na área de Embalagem. M

P - O que mudou nessa transição de função? Dóris - Na época o senhor Raphael era um dos sócios e ele cuidava da parte de produção. Ele achava que eu era muito séria no meu trabalho, que eu era uma pessoa muito responsável, mesmo tendo pouca idade. Então, com a saída da supervisora, ele me chamou, junto com o Antenor, na época, e me colocou. Falou: "Olha, a partir de hoje você vai estar trabalhando na supervisão da área, porque a Cidinha vai sair. Então, ela vai estar te passando todo o serviço e você vai ficar comandando aí". Eu me assustei num primeiro momento, mas por um lado eu sempre gostei. Na realidade, eu não me importo com o cargo, eu me importo com a responsabilidade que eu estou absorvendo, com o desafio de estar enfrentando aquilo. Então encarei legal. M

P - Na prática, quais eram suas atribuições? Dóris - Era distribuir o trabalho, tinha que ver o que tinha que fazer primeiro, distribuir nas linhas, verificar se realmente estava sendo bem feito. Tinha uma meta de produção por dia, então a gente tinha que cumprir. Por exemplo, tinha que fabricar "x" unidades. Desde aquela época existia isso. Tinha que produzir uma quantidade e a gente tinha que ir atrás desse número. Tinha que distribuir, alocar as meninas de uma área, de um trabalho para o outro, fazer a troca de tudo isso, controlar, anotar tudo... M

P - E tinha que cuidar se as meninas estavam com o avental, com o chapeuzinho? Dóris - Ah, tinha. Essa disciplina, na hora que entrava na seção a gente já dava uma olhadinha. Tinha que ver se estava com o avental direitinho, se estava limpinha, se estava com o gorro, se o cabelo estava preso, para não ficar com o cabelo caído. Tinha toda essa disciplina. Se caso não estivesse,a gente pedia para arrumar. M

P - Você ficou nessa função até a mudança do Imirim ou antes você já mudou de cargo? Dóris - Não, fiquei até ir para Guarulhos. Na realidade, hoje a estrutura é um pouco diferente. Hoje tem uma coisa que é assim: tem mais cacique do que índio, tem muito chefe e às vezes pouca gente trabalhando. Naquela época, não. Naquela época, dentro da hierarquia, da estrutura das empresas, eram poucos os comandantes. Então, por exemplo, o nosso acesso com o dono era quase direto. Na realidade, abaixo do dono tinha o Antenor, que hoje o título do cargo dele seria diretor, seria uma gerência. Ele era como se fosse um gerente, na época. Em seguida, dentro dessa hierarquia, já vinha o dono, que a gente tratava como diretor da empresa. M

P - Os quatro sócios iam à empresa? Dóris - Lá no Imirim eram os quatro: o senhor Raphael, irmão do senhor Adalmiro, o senhor Adalmiro, o senhor Depieri e o senhor Victor. Cada um deles cuidava de uma parte da empresa. Então, vamos dizer, a gente tinha muito mais acesso, por exemplo, ao senhor Raphael porque ele cuidava da parte industrial, que era a parte que a gente estava envolvida. O senhor Victor sempre cuidou dessa parte de estratégia, novos produtos, propaganda... O senhor Adalmiro, a função dele, por sinal admirável, era buscar os desafios para a empresa, fazer grandes negócios, e o senhor Depieri era da área administrativa. Então era um casamento perfeito na época, porque cada um era muito bom naquilo que realmente eles se propuseram. Eles eram muito bons.

Moderex e outros produtos
M

P - Dóris, com relação à essa primeira fase, você se lembra dos produtos principais? Dóris - Ah, nós tínhamos um produto que era Moderex. Ele era moderador do apetite. Então, na época, existia um controle muito rígido, porque da mesma forma que hoje alguns moderadores de apetite são muito controlados, ao mesmo tempo eles podem ser usados como drogas. Vendia-se muito, porque você imagina, até hoje, moderador de apetite é fazer e vender. Tinha esse produto, e depois de um tempo nós paramos de fabricar. Nós tínhamos um produto que era muito bom, o Fosfoplex, que era para memória. Acho que cada época é uma época e tem, vamos dizer, o seu tempo. Então, naquela época era o moderador de apetite, que era uma coisa que as mulheres às vezes usavam e era uma droga que tinha muito no mercado, e também o pessoal se preocupava muito em tomar remédio para a memória. Eram produtos assim. Tinha também produtos para a dor. Nós tínhamos o Dorilax, Dextrovitase, um produto até hoje tradicional do mercado, não precisa nem ser propagado, ele vende sozinho. M

P - Sorine e Combiron já existiam? Dóris - Sorine e Combiron também, os dois. M

P - E o Moderex foi um produto de grande vendagem? Dóris - Na época foi. M

P - Como isso refletiu no trabalho, no dia-a-dia de vocês? Dóris - Nossa, a gente trabalhava que nem louco. Sábado, domingo, hora extra... Para não deixar perder venda, porque como ele teve uma boa aceitação e era uma droga que na época a gente estava tendo bastante produção, então era trabalhar, trabalhar, trabalhar. E era gostoso, era muito bom. M

P - Dinamizou a vida da empresa? Dóris - Completamente. E com isso foi crescendo. O Aché tem uma coisa que é muito interessante, ele sempre teve muito sucesso. São poucos os produtos que o Aché lançou que praticamente não pegou uma boa fatia do mercado. A maioria dos nossos produtos sempre foi muito bem aceita no mercado. Os produtos sempre foram muito bem trabalhados, eu acredito, para poder ter uma boa aceitação dos médicos.

Mudança do Aché para Guarulhos

P - Como vocês ficaram sabendo que o Aché ia se mudar para Guarulhos? Dóris - Eu entrei no Aché no primeiro semestre, quase já no segundo semestre de 1968. No segundo semestre eles já começaram... Parece que já tinham adquirido o terreno e já estavam fazendo a planta, já estavam mexendo para fazer o prédio. Quando foi em 1969, eles já haviam passado para a gente que estava construindo e era em Guarulhos, mas não se tinha uma previsão de quando seria essa mudança, de como faríamos. Então nós não tínhamos muita informação. E tem uma coisa que eu tenho guardada inclusive até hoje, que para a gente foi muito emocionante. Quando foi em 1972, eles tiraram uma foto da obra e colocaram essa foto com uma carta para todos os funcionários da época, mostrando a nossa nova casa. Isso foi em outubro de 1972, era final de ano. Só que ir para Guarulhos ia ser uma mudança que ia transformar tudo. E precisava fazer estoque. Então, uma parte das pessoas foi para Guarulhos no início de 1973, se não me falha a memória, para já poder começar a desenvolver alguma coisa, colocar alguns equipamentos para ir funcionando, fazer produto... Já começou a se fazer alguns produtos, enquanto nós ficamos na Rua Nova dos Portugueses para fazer estoque, porque além deles terem feito o prédio eles compraram praticamente quase todos os equipamentos novos. Então alguns equipamentos não foram para o Aché novo, mas alguns tinham que ir. Nós tivemos que fazer estoque, que era para dar tempo depois de parar, levar e instalar na Dutra, onde se teria uma outra posição de equipamento, outro layout, outro fluxo de trabalho. Tudo isso dependia de ficar parado um tempo com aquele equipamento. Eu, inclusive, fiquei como supervisora, então às vezes eu trabalhava das sete da manhã até a meia noite, uma hora da manhã, para a gente fazer estoque para mudar. M

P - Na época do Imirim ainda, você sabe se já existiam as filiais em outras cidades, em outras capitais? Dóris - Tinha. Eu não me lembro se era em todas as capitais, mas eu acho que nas principais capitais do Brasil eles tinham. O nome era Prodoctor. Tinha os produtos que eles mandavam para lá, para serem distribuídos nessas cidades, nessas capitais. M

P - Vocês tinham um contato direto com o pessoal da Prodoctor? Dóris - Não, não tínhamos. M

P - Pelo que eu entendi, você ficou então um tempinho ainda lá no Imirim depois da mudança para Guarulhos. Dóris - Na realidade não foi, porque mudou mesmo em abril de 1973, mas algumas pessoas foram no início de 1973, eu acredito que em janeiro, fevereiro, para já dar andamento em alguns produtos e até mesmo ver como ia ser toda aquela situação. Nesse período, toda a equipe da parte de Embalagem ficou na Nova dos Portugueses. Foram poucas as pessoas que foram transportando algumas coisas, fazendo essa mudança e até mesmo testando equipamentos. Isso foi feito para que na hora que fosse com a massa toda, com todo aquele pessoal, a coisa já estivesse bem encaminhada, porque, imagina, deixar para começar tudo com todo mundo junto, realmente fica difícil. Então, eles fizeram até forma programada, foram levando aos poucos.

Inauguração do Aché I

P - Quando você foi a primeira vez para Guarulhos foi para começar a trabalhar ou foi uma festa? Dóris - Nós tivemos uma comemoração mesmo na entrada na Dutra. Nós não tivemos uma festa, não. Eu me lembro que os quatro sócios reuniram a gente e nos passaram uma mensagem. Eles conversaram com a gente, passaram qual era a idéia, o que eles esperavam de toda aquela equipe que tinha se prontificado a ir para Guarulhos. Eu me lembro que, na realidade, eles não dispensaram ninguém. Eles deixaram livre para quem quisesse ir para Guarulhos. Então não houve uma demissão por estar morando aqui ou não estar morando em Guarulhos. Eles deixaram livre. Aí, na época todo mundo foi e eles nos reuniram no primeiro dia para passar para a gente toda a idéia. A festa, mesmo, de inauguração, foi em dezembro do mesmo ano, de 1973 Aí fizeram uma festa muito bonita para a gente. M

P - Como foi essa festa? Dóris - Ah, nessa festa fizeram um churrasco para os funcionários. A gente nunca tinha presenciado aquela imensidão, porque era muito grande em comparação com o local onde a gente trabalhava, na Rua Nova dos Portugueses. Eu não tenho nem idéia. Sei lá, aquilo era dez vezes maior. Então realmente foi uma festa. A gente era tudo garotada. Foi só divertimento. Todo mundo cantando, dançando, comendo... Fizemos muita bagunça. Foi bem gostosa, a festa. E eles também participaram. Ver essa participação dos sócios não só no trabalho, mas na hora da festa, ali, era importante para a gente. Era muito gratificante vê-los participar, brincar com a gente. M

P - Tinha só o Aché I nessa época? Dóris - Só. M

P - Quando você chegou lá viu aquele prédio, qual foi a sua reação? Dóris - Assustou, assustou a todos nós. Nós ficamos com medo de não dar conta de tudo aquilo, porque estávamos acostumados com um local bem menor. E lá, inclusive, os objetivos, as metas de produção eram até maiores do que as da Rua Nova dos Portugueses. É lógico, foi exatamente por isso que mudou, porque na Nova dos Portugueses já estava muito pequeno. A gente não conseguia produzir para atender à demanda que o Aché já tinha na época. Tem até uma passagem interessante, que é o seguinte: a gente tinha medo de fazer as coisas de forma errada, de deixar passar alguma coisa que não era para fazer. Então eu me lembro que o senhor Raphael, para nos testar e ver se a gente tinha entendido como aquilo ia ser, mandou o Emílio, um rapaz que ainda trabalha no Aché até hoje, falar comigo para eu mandar para ele um vidro de Combiron drágeas. Eu, dentro da minha ingenuidade e inocência... Quer dizer, antes era uma casa. Nós não trabalhávamos numa empresa, era uma casa. Lá não, lá era realmente uma empresa, uma fábrica com todo aquele monte de equipamentos, esteira, tal... Aí ele mandou o menino ir lá buscar comigo um vidro de Combiron. E eu, na minha santa ingenuidade, mandei o menino pegar. Falei: "Pega um vidro de Combiron e leva lá para o seu Raphael que ele está pedindo". Aí ele levou. Não deu dez minutos veio o senhor Raphael. Cara fechada, ele veio na minha direção. Fiquei preocupada, falei: "Meu Deus, o que eu fiz?". Aí ele estava com o vidro na mão, ele mostrou o vidro para mim e disse: "Dóris, o Emílio veio aqui em meu nome e pediu um vidro de Combiron". Eu falei: "É, e eu dei. Ele levou. É esse aí, não é?". Ele falou: "É. Qualquer pessoa que chegar aqui em meu nome e pedir alguma coisa você vai dar?" Eu falei: "Está bom, entendi". Ele falou: "É, não se esqueça que nós estamos aqui, e isso é uma empresa. Agora realmente todo cuidado é pouco". Foi uma forma dele mostrar de uma forma até prática o comportamento que a gente teria que ter dali por diante. Daquela época em diante teríamos que levar a coisa como uma empresa mesmo, que não era mais uma casa, como era no outro prédio.

Treinamentos

P - Como foi lidar com todos esses novos equipamentos que vocês tinham em Guarulhos? Houve treinamento? Dóris - O nosso treinamento foi praticamente operando, executando, mas existia toda uma preocupação e um acompanhamento deles, pois foram eles que praticamente passaram para a gente quais eram as idéias, as preocupações, as necessidades que a empresa tinha, os desafios que a gente ia estar enfrentando dali para a frente. Então o treinamento mesmo era eles passando para a gente a necessidade. Depois, como foi crescendo e pelo porte que a empresa estava ganhando, era até mesmo necessário dentro da legislação, já começou a ter, por exemplo, pessoas que passavam para a gente noções de segurança, informações de como mexer no equipamento, sobre os cuidados que precisava ter... Para nós, que viemos de onde viemos, com a simplicidade que existia, onde até mesmo tudo era manual, até que isso não foi feito de uma forma traumatizante. Realmente era uma diferença muito grande da onde estávamos para onde tínhamos ido, mas fomos trabalhado com tranqüilidade mesmo. As coisas iam sendo trabalhadas conforme ia precisando. Então foram visualizando as necessidades e já foram contratando profissionais para passar treinamento. E, conseqüentemente, iam treinando pouco a pouco as pessoas para operar um equipamento, para operar uma esteira, como manipular tudo aquilo... Tudo isso foi sendo introduzido quase sem a gente perceber. Eles procuraram fazer de forma para realmente não traumatizar. Essa foi a verdade.

De supervisão à gerência

P - Qual foi a sua primeira função lá em Guarulhos? Dóris - Eu fui ainda como supervisora de Embalagem. M

P - Você ficou por quanto tempo nessa função? Dóris - Como eu comentei, não tinha muita hierarquia na estrutura da empresa. Não tinham muitas funções na alta cúpula, ou seja, era a diretoria e a gerência. A diretoria eram os donos e abaixo dos donos era o gerente. Então, eu fiquei até 1987, 1988 na supervisão da área de Embalagem. Aí, em 1988 houve a saída de um dos sócios. Ficaram só três e foi quando eles deram uma mudada. Estrategicamente eles se posicionaram de forma diferente. Nesse momento houve a necessidade de estar criando cargo de direção. Conseqüentemente nós, que éramos supervisores, passamos a ter o cargo de gerência. Os que eram gerentes passaram a ter o cargo de diretor, para poder estar dividindo. Neste momento, em 1988, na realidade a empresa já era bem grande. M

P - Nesses quase 20 anos que você ficou como supervisora, qual era o tamanho da sua equipe? Quantas pessoas você liderava como supervisora no Imirim e depois, em 88, quando você era supervisora? Dóris - No Imirim nós éramos 30, 35 pessoas. Quando nós fomos, em 1973, para a Dutra, nós já estávamos em torno de 70, 80 pessoas. Quer dizer, foi mais que o dobro. E, quando eu ainda estava na supervisão, antes de passar para a gerência, eu tinha umas 130, 140 pessoas sob o meu comando. Depois, quando eu passei à gerência, e na gerência eu fiquei com a área estéril e Hipodermia, área de Embalagem e Envelopamento, ali dava um total de 200 pessoas, mais ou menos. M

P - Um batalhão? Dóris - Um batalhão. Um batalhão de meninas. Mas era bom, era gostoso. Eu acho que o que serviu nessa vida meio sofrida, de ter tido uma mãe enérgica e de no Aché ter tido pessoas que disciplinavam a gente, que também cobravam da gente nossa responsabilidade, independentemente da idade, foi que a gente trabalhou isso também com os nossos subordinados. Eu nunca me esqueço que, não tinha tanta idade assim, e a gente trabalhava com os funcionários como se fosse mãe deles, mãe daquela garotada, porque na realidade era garotada de 18 anos - na Dutra todos os admitidos já eram maiores de idade. Mas era como se fosse mãe. Tem funcionárias da época, que trabalharam comigo já faz 15, até 20 anos, que já saíram da empresa e que até hoje a gente tem contato. Por telefone, mas tem. Eles ligam com saudade perguntando se está tudo bem, mandam cartão... E sempre falam do aprendizado que tiveram na época em que trabalharam, da responsabilidade que nós passamos, que isso foi muito bom, que isso fez a pessoa crescer... Com isso o Aché conseguiu mudar a vida das pessoas trabalhando com toda essa disciplina, com essa rigidez. Então foi bom para muita gente. Foi bom aprender isso.

Uniformes no Aché

P - Dóris, lá no Imirim vocês iam de avental, certo? Dóris - Isso. M

P - E no Aché em Guarulhos? Dóris - Ah, logo que nós mudamos para lá a roupa já era diferente. M

P - Como era? Dóris - Era calça e uma blusa. E o que é muito engraçado e interessante é que a cor do Aché é magenta, então os uniformes, como o Aché, eram magenta. Era bem... Você imagina aquele magentão. (risos) Todo mundo andando, todo mundo com aquele uniforme magenta. Eu sei que depois de um tempo foi alterado, foi trocado, até pelo fato da necessidade colocada e posicionada pelas leis trabalhistas. Não me lembro se foi da parte de sindicato, dentro desses trabalhos de lei que estavam sendo feitos para proteger o funcionário. Quer dizer, isso foi crescendo no decorrer do tempo, esse amparo veio vindo, até que hoje a gente está bem mais amparada pela lei, mas na época não tinha se tinha um trabalho... É que a cor muito forte te deixava irritado. Quer dizer, não era bom para o funcionário. M

P - É mesmo? Dóris - É, mudaram os nossos uniformes porque eles tinham feito um trabalho dizendo que a cor refletia até mesmo na agressividade. Quer dizer, para um funcionário trabalhar, ele tinha que trabalhar bem, ele tinha que trabalhar sereno, e a tendência da cor muito forte era deixar a pessoa agressiva, elétrica. Então, depois de um trabalho que fizeram, passaram o uniforme para a cor cáqui, que já era uma cor mais discreta, realmente mais serena. Engraçado que realmente reflete, sabe? Depois que houve a mudança que a gente percebeu. Realmente refletia. M

P - Esse pessoal de uniforme cáqui é da produção? Dóris - Produção. M

P - Cada área tinha um uniforme de cor diferente? Dóris - Não, era tudo cáqui. A única diferença era que os nossos, dos supervisores, eram brancos com gola laranja. Quando passou para cáqui, o nosso continuava branco e a gola era cáqui. Mas o do funcionário era todo cáqui. E tinham os líderes, pois a gente tinha aquelas células com alguns líderes, e aí os uniformes deles eram cáqui com a gola preta. E os dos funcionários era laranja com gola branca. Diferenciava, assim, entre supervisão e liderança de equipe.

Refeitório em Guarulhos

P - Nesse começo do Aché em Guarulhos, onde era o refeitório? Dóris - As refeições eram onde hoje tem a parte que eles chamam de Comunicação. Tem uma área logo na entrada, após o prédio do Aché V, aquele todo de vidro, que eles davam um nome... Parecia uma ameba. Era uma parte do prédio que era meio ovalada. Então, ali era o nosso refeitório. Depois que foi para o Aché V, aí não era marmita. M

P - A Chiquinha não estava mais? Dóris - A Chiquinha não estava mais. Ela foi para o Aché com a gente, mas aí não deu certo, ela saiu. Não era marmita, mas eles compravam comida pronta. Eram aquelas comidas que vinham num tipo de marmitex de alumínio. Depois, com o tempo, eles contrataram pessoas e aí começaram a fazer comida no Aché, ali mesmo naquele refeitório, só que aí a comida já era feita lá. O Aché tem uma coisa muito interessante: ele sempre se preocupou muito com a alimentação. A comida do Aché, você pode comer de olho fechado. Sempre se preocuparam, sempre tiveram uma coisa nesse sentido, sabe? A higiene ali é fantástica. Eu acredito que nem na casa das pessoas às vezes tem uma preocupação como sempre teve ali no refeitório. Eles sempre trabalharam muito isso, essa higiene, alimentação boa. Eu me lembro que teve uma época que para comprar carne você comprava com ágio. Eu não me lembro em que virada de governo que a carne sumiu do mercado, mas me lembro que eles não deixaram a gente sem. Eles compravam com ágio para a gente poder comer carne. Eles não deixaram a gente sem carne. E a gente em casa não tinha, porque na época, como entrou o ágio, o preço da carne ficou lá em cima. Acho que como empresa eles devem ter conseguido alguma coisa, e eu sei que esse plano não interferiu na mistura da comida da empresa. Na realidade, não refletiu. M

P - Esse restaurante, hoje, já não é mais no mesmo lugar?

R - Não, não é.

P - Para onde foram passando os restaurantes? Dóris - Logo que mudou foi para esse local que eu acabei de explicar, depois foi para um local bem maior, quer dizer, foi montada uma cozinha industrial que era padrão para todos os visitantes. Toda pessoa que ia no Aché queria almoçar no Aché para poder saber o quê o Aché tinha de tão especial no refeitório, devido até a esse trabalho que eu estou te falando que eles tinham, essa preocupação de fazer uma alimentação saudável, bem temperada. Era uma comida bem caseira mesmo, não tinha gosto de comida industrial. E dali passou para o prédio do Aché V, quando este foi concluído. Então foi em três locais, nesse primeiro, que era no Aché I, depois acho que foi para o Aché II, que é uma extensão para o lado de trás do prédio, e aí foi para o Aché V, que é aquele prédio maravilhoso.

Construção do Aché II e Aché IV

P - A senhora se lembra do Aché em obras, construindo novos prédios? Dóris - Lembro. Tinha toda uma preocupação de estar dividindo os espaços, na realidade, para poder fazer essas emendas. Quando foi aumentar a parte do Aché I para fazer a parte de trás, o Aché II, aí eles fecharam a parte que a gente trabalhava para não ter acesso. Só depois que ela era concluída que quebravam as paredes. Eles sempre aproveitavam para fazer isso na época de férias, final de ano. Aí eles quebravam as paredes para poder fazer as ligações. M

P - Na época da inauguração do Aché V teve uma visita dos funcionários. A senhora participou? Dóris - É, participamos sim. Eu acho que eles organizaram essa visita para quase todos os funcionários, senão para todos, porque ela foi uma obra tão esperada... Eles falavam que ia ser um prédio inteligente, que era só você botar a mão debaixo da torneira que a torneira abria e fechava sozinha, que o ar condicionado era todo automático, para acender as luzes também... Então tinha uma curiosidade muito grande da nossa parte, da parte de todos os funcionários, na realidade. Por isso eles organizaram um tour com as equipes para elas poderem conhecer as dependências, a parte interna do prédio. M

P - Mas você nunca foi para aquele prédio?

R - Não, sempre continuei no antigo, até pelo meu próprio trabalho, não é? Quer dizer, como o meu trabalho é planejamento, então a minha proximidade das áreas que fazem parte da produção é muito grande. Quanto mais próximo eu estou ali, melhor. Quer dizer, o fluxo para a gente, para a minha equipe é melhor. Então eu fico ali perto do Controle de Qualidade, a produção, o Almoxarifado... Nós não fomos para o Aché V por esse motivo, porque ali realmente fica mais fácil para o meu pessoal.

Dia-a-dia da gerência

P - Você estava contando que de supervisora você foi para a gerência, não é? Dóris - Isso.

P - Gerência de qual área? Dóris - Fui para a gerência de quatro áreas. Eu era da parte de Embalagem, e então absorvi a gerência da Embalagem, Envelopamento, Hipodermia, aonde fazia o injetável, e a área Estéril, aonde faziam as pomadas. M

P - Foi uma carga redobrada de responsabilidade? Dóris - Redobrada de responsabilidade.

P - O que é que mudou no seu cotidiano de trabalho? Dóris - Olha, quando eu absorvi essa gerência, para mim foi muito gratificante. Com o contrato que o Aché tinha de produzirmos os produtos da Parke-Davis, na época, a pessoa que ia cuidar dessa área Estéril precisaria ter uma formação, e eu, na realidade, não tinha uma formação técnica, eu era formada pela prática. Quando me passaram a gerência, a pessoa responsável, na época, para fiscalizar os produtos fabricados por nós da marca Warner-Lambert e Parke-Davis, não gostou. Na época me deram o cargo, ela me parou no corredor e falou que não concordava. Eu fiquei meio constrangida com aquilo, mas ao mesmo tempo, como eu sou uma pessoa muito franca, muito honesta, eu falei: "Bom, da mesma forma que me deram a senhora pode mandar tirar. Não fui eu que pedi. Se a senhora acha que eu não tenho competência para assumir a gerência da área, não tem problema. É só a senhora falar. Quer ir lá falar agora, vamos lá. Não vejo problema nenhum, sem constrangimento nenhum. Estou aqui para trabalhar. Realmente não tenho a formação que a senhora precisa, mas...". Aí ela foi conversar com a nossa diretoria na época, e a nossa diretoria entrou em um acordo com ela dizendo que era para dar o tempo que eu precisava. Foi falado o seguinte: "Vamos dar três meses. Se o trabalho que ela executar não for de encontro com o que a senhora precisa, a gente tira". Depois de três meses ela veio me dar os parabéns, porque inclusive ela não queria que eu saísse. Queria que eu ficasse, que continuasse, pelo fato do trabalho que a gente fez. E realmente... Veja bem, eu tenho um conceito comigo que é o seguinte: eu posso não ter a "formação técnica", mas eu tenho e tento absorver a "informação técnica". Eu acho que tendo essa disposição, tendo a informação, ela passa a ser uma coisa que é só você executar. Sempre trabalhei bem com isso, mesmo não tendo a formação. M

P - E a gerência dessas áreas é o cargo que você ainda executa hoje? Dóris - Não, em 1988 eu passei para esse cargo, e em 1996, 1997 eu passei para a gerência de Planejamento, que não existia anteriormente e que precisava ser criada dentro da empresa. O nome é PCP, Planejamento e Controle de Produção. Eles precisavam de uma pessoa que tivesse todo o conhecimento do fluxo da empresa. Apesar de eu não ter uma formação, eles ponderaram sobre a experiência que eu já tinha e me fizeram o convite, me perguntaram se eu queria arriscar. "Bom, você quer arriscar e assumir? É fundamental que a pessoa tenha o conhecimento da prática para ela poder saber planejar. A gente acha...". Eles achavam que isso ia ser muito importante. E eu ousei. Em 26 anos que eu estava na área de produção, não sabia nem ligar o computador, e eu falei: "Eu vou. Seja o que Deus quiser. A empresa está aqui, precisa de mim, se vocês acreditam que eu posso dar conta do recado, eu vou". Aí foi mais um desafio. Como eu não tinha a mínima noção de como trabalhar com a área administrativa, eu fiquei meio assim, mas falei: "Não, vamos embora". Aí, o que eu fiz? Tentei aprender aquilo que eu precisava para absorver o trabalho da área administrativa. E estou lá. E garanto que estou bem, porque se não estivesse bem acho que a empresa não estaria comigo, não estaria com os meus trabalhos, não estaria me deixando lá até hoje.

Informatização da empresa

P - Além do computador, quais foram os outros desafios dessa nova área? Dóris - O meu maior desafio foi realmente o computador, o sistema. Foi até muito interessante porque, quando eu fui, eles tinham comprado um sistema integrado, o BPCS. Aí eu falei: "Bom, vamos tentar, não é?". Estava sendo feito todo um estudo, porque a complexidade de um sistema integrado é muito grande. A gente fala que a tecnologia faz, mas ela faz aquilo que você dá para ela de informação, ela não faz sozinha. Ela não olha para você e adivinha as coisas. Então, você precisa ter todo um entendimento para poder dar para ela parâmetros para que ela realmente faça a parte dela. Então estava na época de estudos, o sistema já estava comprado, e foi uma dificuldade muito grande, porque era tudo em inglês. Quer dizer, e eu não tenho inglês. Eu tenho "mineirês". (risos) O meu mineirês é perfeito. Agora, o inglês, coitada de mim Estava difícil. Eu falei: "Pronto, e agora?". Fui estudar o sistema. A empresa pediu para que a gente fosse estudar o sistema para poder implantar. Tinha-se investido um dinheiro muito alto, e a empresa precisava daquilo. Precisava para conseguir acompanhar todo esse mercado, precisava ser mais ágil. E na realidade a tecnologia está aí para isso, para dar mais agilidade nos processos. Aí fui. Foi uma barra, porque o sistema era todo em inglês. O que eu fiz? Tinha a Janice, uma menina que trabalha lá até hoje e entende de sistema, é muito esforçada, e o Maurílio, um rapaz que trabalhava com a Marlene, no Almoxarifado, também muito esforçado. Ele também entendia do fluxo da produção. Aí eu sentei junto com eles e falei: "Bom, o negócio é o seguinte: vocês conhecem esse danadinho aqui, não conhecem? Vocês conhecem, vocês viram ele do avesso. Eu não sei nem ligar, mas tudo bem. Vamos nos juntar. Vocês vão estar lendo para mim aí o que eu não conseguir interpretar e eu sei a prática. Eu conheço a rotina, eu conheço o fluxo de todas as operações e vocês não conhecem tudo isso que eu conheço. Então vamos tentar nos ajudar". E foi isso que nós fizemos. M

P - Um casamento? Dóris - Foi um casamento. E eu até cheguei a declarar para o José Luiz, que é um dos nossos diretores, que foi realmente traumatizante toda essa implantação, porque é a mesma coisa que você ter um fusca e te darem um Mercedes, uma Limusine na mão. A diferença do que a gente tinha para o que a gente estava indo era muito grande. E tinha um conflito enorme entre esse estudo, esse aprendizado. Quer dizer, "papagaio velho demora muito para aprender a falar", não é? (risos) A garotada aprende em um ano, a gente precisa de dois. (risos) Mas tudo bem, todo mundo enfrentou de cara limpa. Na época ele achou até interessante, porque eu cheguei a comentar com ele. Eu falei: "Olha, eu vou falar uma coisa para você: em primeiro lugar, eu estou tentando aprender esse sistema, mas muito mais por uma questão de honra do que pela empresa. Preciso aprender a trabalhar nesse sistema, trabalhar com computador, desmistificar isso. Quer dizer, não é nenhum bicho de sete cabeças. E, conseqüentemente, eu vou precisar aplicar isso no meu trabalho. Então, primeiro lugar isso, é uma questão de honra. Depois sim é para poder botar em prática no meu trabalho, no meu dia-a-dia". E foi isso que eu fiz junto com a Janice e com o Maurílio. Eu passava a parte que eles não entendiam, que era o fluxo da empresa, todos aqueles parâmetros que a empresa realmente precisava colocar dentro do sistema para que ela conseguisse tirar do sistema aquilo que foi proposto, que foi a compra, a aquisição para poder atender. Eu consegui colocar a empresa todinha, na área de manufatura, dentro do software, com a ajuda deles e de outras pessoas que também faziam o estudo com a gente. M

P - E hoje você já tira de letra? Dóris - Ah, foi gratificante. Eu digo que, na realidade, para mim, foram três anos de curso superior, porque a visão que o sistema integrado te dá é muito grande, você passa a conhecer praticamente tudo, começo, meio e fim. Desde a aquisição de uma mercadoria até ela sair para o mercado. Essa integração que se faz com o sistema é muito interessante. Ele é feito em cima de todo um conceito que faz com que você trabalhe todas as suas operações na área, tendo que tirar tudo aquilo para colocar lá. Quer dizer, foi muito gratificante. Eu desafiei a mim mesma, porque na realidade eu não imaginei que eu iria conseguir, principalmente por estar tudo em inglês. Mas no fim a equipe deu um baile. Nós acabamos ensinando para os consultores como o sistema deles funcionava, porque algumas coisas nem eles sabiam. (risos) Algumas coisas até fomos nós mesmos que descobrimos explorando e garimpando. E esse rapaz trabalha na seção comigo hoje. Ele realmente conseguiu se integrar na parte que a empresa inclusive precisava, que era a de Planejamento. Precisavam trabalhar com esse software, e então ele até foi promovido da área de Almoxarifado para a área de Planejamento.

Festa de 25 anos do Aché

P - Dóris, o Aché tem toda essa parte de convívio social, que é muito forte, com o Grêmio, festas comemorativas, festa de veterano, festa de fim de ano... Tem um clima que é especial. Você participou desses momentos? Dóris - Olha, sempre. Só não participava quando realmente não era possível por algum motivo, que não dava para ficar ou mesmo participar. Do contrário, participei praticamente de tudo. M

P - Qual foi o evento mais marcante que você se lembra? Dóris - Foi a festa de 25 anos do Aché. Quando o Aché fez 25 anos de idade foram as Bodas de Prata. Foi uma festa que eu tenho inclusive um álbum com toda a história, com a foto de todas as pessoas que foram homenageadas. A partir daquele ano eles criaram uma placa, desenvolvida com um pessoal técnico especializado, que é um quadro que tem a foto. É um quadro com a nossa foto, com uns dizeres e a assinatura dos três sócios, parabenizando pelo tempo que você está sendo homenageado. Quando fizeram pela primeira vez foi uma festa muito grande, e nós não sabíamos que eles tinham convidado os familiares, nós não sabíamos que iam os filhos. No meu caso, eles convidaram a minha mãe e também as minhas duas filhas. No caso do meu marido, que na época foi homenageado também, foi a mãe dele. Mas era tudo surpresa, foi tudo escondido. Quer dizer, eles fizeram de uma forma que ninguém ficou sabendo. Foi uma emoção em cima da outra. Eles pegaram aquele ano para homenagear aqueles que faziam de dez anos para cima. Então foi de dez anos, de 11 anos, de 12 anos, de 13 anos, 14... E acima de 16 anos, me parece, eles fizeram um livro até mesmo com um depoimento de cada um. Eu tenho esse livro guardado até hoje. Foi realmente muito emocionante. Eles conseguiram esconder da gente toda aquela surpresa. Os nossos familiares realmente não comentaram que tinham sido convidados. Foi uma festa realmente emocionante, inesquecível. Eu tenho fotos dessa festa. Para mim, ela será marcante para o resto da vida. Nós, eu e o Celso, fomos escolhidos na época para entregar as placas. Então eles me colocaram para poder estar homenageando os amigos. Quando era do sexo masculino era eu que entregava a placa, e do sexo feminino era o Celso de Abreu, como funcionário homem mais velho de empresa. Nessa festa, no final, estavam todos os sócios. O Celso completava 25 anos também, porque ele nasceu junto com a empresa, estava completando 25 anos de casa. Tinha também o senhor Valdemir Gouveia, carinhosamente chamado de Vavá. Ele não trabalha mais na empresa, mas trabalhou até um ano, dois anos atrás. Nós brindamos, cortamos bolo, cantamos parabéns... E para acabar com todo mundo, eles colocaram a música do Roberto Carlos "Meu amigo de fé, meu irmão camarada". Foi emocionante, todo mundo chorou. Eles choraram, nós choramos... Realmente foi marcante e eu tenho inclusive um álbum. M

P - Você estava fazendo quantos anos? Dóris - Naquela época estava fazendo 22 anos dentro do Aché. M

P - Não foi nessa ocasião vocês viajaram para a Argentina? Dóris - Não, foi quando nós completamos 30 anos. Quando nós completamos 30 anos de empresa, eu, o Carlos Andrade, nosso diretor de produção e a Cida, nossa gerente de produção, nós ganhamos uma viagem da empresa para Buenos Aires, na Argentina. Nós combinamos de ir os três casais. Eu fui com o meu marido, ela com o marido dela, que trabalhou no Aché também durante um período, e o Carlão com a Olinda, esposa dele, que também trabalhou com a gente uma época. Então é tudo compadre e comadre. (risos) Foi uma festa. M

P - Você já tinha saído alguma vez do Brasil? Dóris - Não, foi a primeira vez que nós fomos para fora. M

P - Você chegou a fazer outras viagens de trabalho pelo Aché? Dóris - Não, pelo Aché não.

Inauguração do grêmio

P - E o Grêmio, você se lembra da fundação? Dóris - Lembro, a fundação foi logo que nós mudamos para cá. Eles tinham feito inclusive uma quadra, nós tínhamos uma quadra de futebol de salão. Aquela quadra é de futebol, mas é cimentada, acho que é de futebol de salão. Tinha uma de campo gramado, tinha uma sala onde se jogava pebolim, tinha uns brinquedos... Realmente tudo era festa, porque o pessoal era bem descontraído. Quando terminava o expediente sempre dava uma passadinha no Grêmio para jogar, para conversar, ou então juntava uma turma e ia para a casa de alguém para comer uma pizza, fazer um churrasquinho. M

P - Era um espaço de convivência social mesmo. Dóris - É, a gente tinha muito disso. Era sempre bem próximo.

Nascimento da segunda filha

P - A sua segunda filha nasceu quando você já estava em Guarulhos? Dóris - Já estava em Guarulhos. Foi em 1979. M

P - Nesse caso, já era diferente a licença maternidade, ou você continuou na ativa? Dóris - Olha, eu trabalhei até a última hora. Nosso expediente encerrava às 18 horas. Quando foi mais ou menos umas 15 para as seis da tarde eu senti a primeira dor de parto. Eu estava trabalhando, e eu percebi que era, porque eu já tinha a primeira filha, eu já sabia qual era a dor. Eu fiquei quieta, não falei nada. Pensei: "Bom, vamos ver como fica". Aí deu o final do expediente, eu desci para o vestiário e deu outra dor. Aí as meninas chamaram o Wilson, meu marido, que ele se trocava no vestiário ao lado. Mas eu já andava com tudo no carro, eu já estava com a mala pronta, documento... Eu já estava tudo certinho. Como eu estava bem e estava conseguindo trabalhar, eu saí do Aché para a maternidade. M

P - Qual maternidade? Dóris - Eu ganhei ela na Maternidade São Paulo. Saí de Guarulhos e atravessei a cidade para ir lá na Maternidade São Paulo. M

P - E para retomar a rotina de trabalho depois, foi diferente da primeira vez? Dóris - Ah, foi, porque na primeira vez era uma situação bem diferente, a empresa era bem menor. Lá já teve toda uma preocupação... Na época que eu estava grávida eu já estava treinando alguém e inclusive quem ficou no meu lugar, ajudando na área de Embalagem, foi a Marlene. Ela trabalhava comigo, era uma líder, na época. Aí ela ficou para poder auxiliar no trabalho burocrático.

Família no Aché

P - Esses anos todos você e o Wilson trabalharam no Aché. Como é essa relação de uma família que nasce, cresce, se desenvolve e está até hoje dentro do Aché? Dóris - Eu volto a falar da disciplina que a gente recebeu no começo de vida, que foi da família, de minha mãe, que apesar de ser enérgica, no trabalho ombro a ombro com a gente passou valores e exigiu da gente toda essa responsabilidade pelo trabalho. Nesse sentido, a gente conseguiu até disciplinar essa situação também. Eu estou casada há 32 anos e nunca tive problema de trabalhar na mesma empresa, porque o tratamento e o relacionamento realmente são separados. Lá dentro nós não somos marido e mulher, nós somos funcionários. Ele na área dele e eu na minha. E as duas áreas até tinham a ver, porque na época que eu era de produção, eu produzia para ir para a área dele para ele expedir. Então tinha que ter um contato. Agora, na área de Planejamento, a mesma coisa. Eu tenho contato com ele, mas é profissional mesmo. A gente realmente disciplinou essa separação. E é muito gratificante, pois nós conseguimos. Realmente, em nenhum momento a gente mistura. Se tem que brigar, briga. Se é por um ideal, vai e briga. Também tem outra coisa muito interessante: fora dali não fica se amargando nada do que aconteceu, se estava certo, se estava errado, por que você falou, por que você não devia de falar... Não tem isso. O que resolveu foi lá dentro, e da porta para fora a vida é outra. Pode-se comentar, se trocar uma idéia, mas sempre do ponto de vista profissional. Então não se mistura mesmo. Realmente dá para dividir legal, sempre deu.

Filhos e netos

P - Você já tem netos da sua primeira filha? Dóris - Tenho. Minha filha mais velha tem um menino. Ele já está com três anos e meio. M

P - Como ele se chama? Dóris - Kauê. M

P - Também com K? Dóris - Também com K. (risos) Você está vendo? Olha, que engraçado Quer queira quer não, passa. Não tem jeito. E eu falo que ela está pagando todos os pecados, porque menino não é brincadeira, não. É levado... Eu fico com ele, eu sou avó. Eu gosto tanto quando ela entra, mas depois de meia hora, quando ela diz que vai embora... (risos) Porque eu fico louca, não consigo acompanhar É ligado no 380 É muito, muito esperto. A criançada hoje é muito esperta, muito diferente. A época é diferente, a criança hoje é mais ativa mesmo. E, por outro lado, também por ser menino. Eu tive duas meninas. A menina é mais dócil, você consegue ter um domínio sobre. Mas moleque você não tem, então é duro acompanhar. Tem vezes que eu curto bastante, mas tem vezes que eu fico cansada de ficar com ele. (risos) Ele é peralta. M

P - E quem mora hoje na sua casa? Essa filha mora junto? Dóris - Não. Ela tem a casa dela, o marido, o meu netinho. Inclusive ela está grávida, vai ter outro menino agora em março. Ela já escolheu o nome: Kauã. (risos) Você está vendo? Olha aí Quem mora comigo é só a mais nova, que para a minha surpresa está no quarto ano de Medicina Veterinária. Para mim é muito gratificante, porque ela estudou, mas nunca gostou muito de estudar. A mais velha sempre gostou de estudar, então nunca tive problema quanto a estudo. E essa mais nova me deu um bom trabalho no início, naquela fase de 14, 15, 16 anos. Realmente passamos apurados com ela. Ela inclusive dizia que queria ser garçonete patinadora, porque aí ela podia parar de estudar. (risos) "Não precisa estudar, mãe. Eu vou ser garçonete." "Está bom." Com isso ela deu bastante trabalho. A gente tinha até um certo receio, porque a nossa idéia era que ela se formasse. Principalmente eu, porque como não tive a oportunidade de ter uma formação, sempre fiz o impossível para que elas tivessem esse interesse por ter uma formação. E ela, para minha surpresa, quando saiu do colégio, foi fazer vestibular, não quis me contar, eu falei: "Você vai prestar o quê?". Ela falou: "Ah, não sei. Eu vou ver lá". E não falou nem para mim nem para o pai. Para nossa surpresa, quando ela veio com o resultado, disse que tinha passado em Medicina Veterinária. E está no quarto ano, é super dedicada, está super bem. Ela está inteira no estudo, sabe? É surpreendente. M

P - E a sua primeira filha, qual foi a formação dela? Dóris - A primeira filha sempre gostou de Educação Física, mas eu mantinha uma certa preocupação. Dizia: "Professor? Professor, seja ele qual for nesse país, filha, não ganha nada". Quer dizer, é uma profissão muito ingrata. Trabalha-se muito e não se tem a recompensa. Até mesmo induzida pelas minhas idéias, ela entrou para fazer Análise de Sistemas, que ela sempre gostou. Ela fez o colegial técnico em Eletrônica e depois fez Análise de Sistemas. Aí, quando ela concluiu o quarto ano, que foi a época de fazer estágio, ela falou: "Olha, eu vou concluir, mas não é isso que eu quero, não. Eu vou fazer Educação Física". E ela fez depois os quatro anos de Educação Física. Então ela é formada em Análise de Sistemas e em Educação Física. Mas para ela foi bom porque a informática está ajudando muito os professores. Ela faz trabalhos fantásticos, pelo computador para ajudar na aula, até mesmo gravar CD para a aula. Então ela monta as aulas, as músicas, faz masterização, aquelas batidas lá de step... É muito interessante. Para ela foi bom, por um lado, porque também conseguiu aproveitar aquilo que ela tinha feito, que na realidade não ficou perdido. Ela soube aproveitar.

Dia-a-dia atual

P - Dóris, como é um dia de rotina seu hoje? Dóris - Eu acordo cedo, gosto de acordar cedo. Não durmo muito, não gosto de dormir muito. Acordo às cinco da manhã, saio, tomo meu banho, me troco, eu e meu marido. Ele tem o carro dele, eu tenho o meu, até pela necessidade da empresa, porque às vezes um precisa ficar até mais tarde e o outro tem que ir embora, tal... Então ele tem o carro dele, eu o meu. Vamos trabalhar e a gente sai de casa cedo, porque o trânsito, quanto mais tarde sairmos, muito mais complicado ele fica para o lado onde eu moro. Eu pego a Dutra, e entrando ali na Ponte das Bandeiras, aquele trecho é complicadíssimo. Depois das 15 para as sete da manhã você não passa ali, você fica ali quase 20, 30 minutos para poder sair daquele trecho. Então eu saio de casa muito cedo, às 6:20, 6:25, 6:30, e no máximo em 15 minutos eu estou no Aché. Gosto de chegar cedo. Isso é todos os dias. Aí eu entro, faço o que eu tenho que fazer, ligo o meu computador e arrumo as minhas coisas. Eu sou agitada, sou meio desesperada, mas na realidade, para trabalhar, eu gosto das coisas mais compenetradas, gosto de fazer a coisa realmente com atenção. Então eu prefiro chegar cedo por isso. A minha rotina é essa. Chego cedo e lá dentro eu sou uma pessoa dinâmica, eu não paro. Hoje não pode ser igual a amanhã, e amanhã não vai ser igual a depois. Eu realmente sou muito agitada. Mas agitada assim mesmo. Eu acho que precisamos sempre pensar na forma que estamos fazendo para podermos melhorar aquilo. Então o pessoal que trabalha comigo sofre bastante. (risos) Para acompanhar, não é brinquedo, não. (risos) Elas mesmas falam isso: "Olha, para te acompanhar não é brincadeira, não". Mas gostam, gostam porque o dia acaba e você não vê. Não é aquela coisa: senta ali, faz aquilo e vai embora. Então, realmente o nosso trabalho também é muito envolvente, porque é o centro da empresa, na realidade. É o coração da empresa. Eu hoje gosto muito do que faço, porque o setor onde eu estou é realmente do jeito que eu gosto, realmente é dinâmico.

Sonho de vida

P - Pensando um pouquinho no futuro, você tem um sonho de vida que gostaria muito de realizar? Dóris - Tenho. Até alguns colegas acham pensam em aposentadoria como uma palavra pesada. Eu estou aposentada pelo INSS. Pelo Aché, se Deus quiser, eu quero concluir meus 36 anos trabalhados, e faltam só dois anos e alguns meses para poder pegar a Previdência Privada. Diferente dos demais, não tenho nenhum constrangimento em dizer: estou contando os minutos. Eu acho que se eu não fizer isso, como o pessoal que está lá atrás vai crescer? É preciso sair, desocupar os espaços. Então isso é o que eu mais almejo, para poder realmente dar o espaço para o pessoal. Por outro lado, a forma de se trabalhar hoje, que o mercado exige, para quem está na situação que a gente está, é muito puxado, é muito desgastante. Você mata 200 leões por dia para conseguir acompanhar. E você não vai ficar na empresa porque é antiga, porque está lá há muito tempo. Você vai querer ser competente e acompanhar o que a empresa precisa, então tem um desgaste muito grande. Eu, pelo menos, tenho. Eu me preocupo em não deixar a desejar dentro daquilo que a empresa precisa, então é desgastante. É um mercado, hoje, muito feroz, muito agressivo. Quer dizer, é coração na gaveta, e razão 100 por cento. Está certíssimo, é necessário. Para quem veio de um berço em que existia mamadeira, chocalho, aquela coisa toda em volta, então hoje você tem que estar no chão e andar. A empresa precisa disso, não pode ter mais paternalismo, nem tampouco dá para ter muita conversa. A empresa precisa correr, ela tem necessidade. E para isso você se desgasta muito. Eu tenho a minha equipe e eu falo para eles que eu sou a única pessoa lá que tem o direito de não ter o que precisa. (risos) Elas têm que ter, então eu incentivo, apoio. Faço com que elas realmente busquem, e o que eu posso pedir para empresa para investir nelas eu faço. Então a minha idéia é realmente sair. E eu e meu marido pretendemos fazer alguma coisa, assim, no interior, sair de São Paulo. M

P - Já tem planos, idéias? Dóris - Já temos. Como a minha filha está fazendo Medicina Veterinária, a idéia seria trabalhar com animal de porte. Não sei se vai dar na época para comprar uma fazenda, mas estamos correndo. Se Deus quiser vamos conseguir. E ela gosta muito de cavalo, ela gosta muito de animal grande. Ela faz isso e você percebe que ela sente um prazer imenso. Então ela quer trabalhar com isso, e eu e meu marido temos essa intenção de realmente sair de São Paulo, desocupar espaço e trabalhar. De toda forma você vai trabalhar, vai cuidar da terra, você vai estar administrando... Não vai deixar de ser também um negócio. Mas nós precisamos disso, vamos buscar isso e com certeza vamos conseguir. M

P - A gente está encaminhando para o final, eu queria perguntar o que você achou dessa experiência de ter contado um pouquinho da sua vida, da sua história?

Contar sua história
Dóris - Olha, gostei. Eu gosto. Tanto é que eu tenho uma quantidade muito grande de lembranças, Eu guardo. Para cada coisa que aconteceu no Aché, para cada situação, eu sempre procurei buscar quem tirasse uma foto... Mesmo que eu não tenha tirado eu procuro quem tirou, como aquilo ficou registrado para fazer uma cópia, para estar guardando, para levar comigo um dia. Então eu sou super favorável e fiquei satisfeitíssima quando o pessoal passou a informação para a gente de que o Aché ia estar fazendo esse trabalho. É gostoso você lembrar de tudo isso, é gostoso lembrar do que foi bom. Na realidade, eu, pelo menos, tentei lembrar de tudo o que foi muito bom, porque eu acho que até mesmo o que foi ruim passou, e passou porque realmente a gente atropelou tudo aquilo - eu e com certeza quase todos os que trabalhavam e trabalham com a gente. Muitos estão até hoje com a gente. Então a gente nunca deixou a peteca cair. Por causa disso, porque a gente sabia que a empresa precisava ir para frente e não adiantava ficar amargando muito ranço, então eu gosto de relembrar. Eu não gosto de reviver, não. Por exemplo: "Ah, mas antigamente a gente fazia assim. Por que não continua?". Isso eu acho errado, porque as coisas mudam e as mudanças são necessárias. Fazer hoje o mesmo que você fazia há 20 anos é impossível, a empresa não pode passar por isso. Mas relembrar, passar isso, botar num livro o que foi feito, de que forma foi feito, é muito gratificante. Eu me senti muito satisfeita quando me falaram que eu tinha sido uma das escolhidas para estar falando um pouquinho de tudo isso. M

P - Eu queria agradecer muitíssimo a sua participação. Obrigada. Parabéns. Dóris - Eu que agradeço.

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